Para quem gosta de ler: Esporte e Cultura na Prática - Relato do atleta cego Cristiano Scheidegger
Esporte e Cultura na Prática - Relato do atleta cego Cristiano Scheidegger
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Fig. 1: Foto a direita com atletas Lucas, Cristiano e o guia Cassimiro./ Foto a esquerda: 25ª Meia Maratona do Rio 2023 - Ônibus da Viação Águia Branca. |
Na sexta-feira, dia dezoito de agosto, viajamos para o Rio de Janeiro, fomos em três: eu, Cassimiro e o Lucas. O Cassimiro, para quem não sabe, ele é meu guia de corrida no Paralímpico. Na verdade é muito mais do que apenas um guia nas corridas, ele é uma autoridade na prática do atletismo. Já foi atleta corredor profissional, e atualmente dedica, parte do seu tempo, ao esporte adaptado para pessoas com deficiência e amputados. Denominados esportes paralímpicos, colaborando com seus conhecimentos e experiências, no sentido de ajudar as pessoas com deficiência ou que sofreram acidentes e ficaram com sequelas que comprometem a mobilidade. Proporcionando a inclusão e uma melhora na qualidade de vida destas pessoas.
Lucas é um atleta paralímpico, como eu, mas ele não é cego, ele sofreu um acidente e perdeu os movimentos de um dos braços. Lucas também é uma pessoa fantástica, ele tem formação acadêmica, é professor de inglês e trabalha em escolas aqui do município (Anchieta ES). Feito as devidas apresentações, vou agora, contar a vocês um pouco sobre esta nossa viagem. Fomos primeiro para a nossa capital, pois nossas passagens eram da Viação Águia Branca, mas com um detalhe, que não posso deixar de citar é agradecer a empresa Águia Branca, por patrocinar o Esporte Paralímpico, doando as passagens aos atletas deste seguimento, para viagens interestaduais. Por este motivo, embarcamos em Vitória, onde fizemos uma fotografia, para agradecer a empresa, e até ser usada no marketing da Companhia, se assim eles quiserem.
A viagem foi em virtude da nossa participação na corrida de rua, denominada, Meia maratona Internacional do Rio de Janeiro. Também, quero agradecer aqui a professora Kátia, lá de Vitória, que nos ajuda, requisitando as passagens, junto a Águia Branca e pela sua dedicação ao Paralímpico, colaborando com os atletas aqui do nosso estado. Embarcamos às 21:30, a viagem foi muito tranquila, chegamos ao Rio, no amanhecer do sábado. Ao chegar na Rodoviária do Rio de Janeiro, pegamos uma condução, destes carros que trabalham para a companhia de aplicativo. E fomos para a Barra da Tijuca , onde fizemos a retirada das credenciais para participar da corrida.
Fig. 2: Foto Palácio Catete - extraído da internet - sem autor.
Na sequência, fomos para o Hotel República, que fica no bairro do Catete, no Centro do Rio, ao lado do Palácio do Catete, onde era a sede da Presidência da República, antes de ser deslocada para Brasília DF, em 1960. Depois, vou comentar mais um pouquinho, sobre o Palácio do Catete, onde aproveitamos a oportunidade e visitamos. Mas antes, quero comentar a corrida. Uma vez, que esta foi a razão da viagem, prova, como se diz, a corrida. Foi um espetáculo do início ao fim.
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Eu nunca havia corrido 21Km, tão animado assim. Claro que desta vez, não fiquei preocupado com resultado, no que diz respeito a tempo, a vitória seria eu completar os vinte e um quilômetros, sem parar ou ter que caminhar ao invés de correr. E graças a Deus, corri todo o percurso da prova, sem parar ou caminhar. Foi um trote contínuo, estava tão feliz durante o percurso, me sentia numa grande festa. Passando na praia de Copacabana, até cantei, aquela música : “Copacabana esta semana, o mar, sou eu, sou eu, sou eu...”, gente eu não canto, mas naquele estado alterado da consciência, dopado pela adrenalina, a energia do ambiente, aquela multidão de gente, atletas e torcedores gritando e proferindo palavras de incentivo e força.
Entrei na “vibe “ da galera, como dizem os jovens de hoje. E até debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos”, saiu. Afinal, eu estava pisando na areia branca, que é o paraíso de brasileiros e estrangeiros. E ao lado das águas azuis do mar. E muito feliz, por ainda estar vivo e bem a ponto de correr ali. Depois, da situação que passei ano passado. Quando recebi o diagnóstico de câncer com metástase e uns detalhes a mais, e calculei, que teria poucos meses de vida, dado a gravidade do caso. E comecei a visitar e ligar para um monte de gente, amigos e parentes, já num clima de despedida. E o curioso, que eu ouvi a leitura de um exame de ultrassom, que detectou a doença, e baseado nos meus conhecimentos e experiência de vida, nem precisei de mostrar para o médico, para saber do que se tratava, e da gravidade do caso, pois, uma coisa é você ter um diagnóstico de câncer, sem metástase.
Quando não existem metástase, a chance de cura é grande, e mesmo não curando, não significa que o paciente vai morrer a curto prazo. Mas a presença de metástase e ascite, sim, significa geralmente o risco de morte iminente, ou seja, a curto prazo. E era nestas condições que eu estava. E juro a vocês, que não foi paranoia minha, pois, ao visitar o meu oncologista, pela primeira vez, perguntei a ele sobre o meu prazo de validade, e a resposta dele, corrobora a minha ideia de morte a curto prazo. Claro, que ele não falou que eu teria pouco tempo de vida, mas a resposta dele deixava algo assim nas entrelinhas. Vou até reproduzir aqui, na íntegra, como foi este momento na primeira consulta, ou seja, vou escrever exatamente a pergunta que fiz ao médico e a resposta que ele me deu.
Foi assim: [...] Doutor, o meu diagnóstico está em suas mãos, qual é meu prognóstico? (Esta foi minha pergunta), (Resposta do médico) Seu Cristiano, você é um cara inteligente, você sabe, quando não tem metástase os prognósticos são sempre melhores. Segunda pergunta: Doutor, tem chance de eu estar vivo daqui a três anos? Resposta: Tem, mas precisamos acertar no seu tratamento. [...], Perceba que a resposta foi dada com uma ressalva junta. E nesta segunda pergunta, o doutor falou um “Tem”, tão tímido, tão sem convicção, que até cego, podia perceber, o tão desconfortável, para ele foi me responder esta fatídica pergunta.
Meu irmão no carro voltando da consulta, reclamou comigo, que eu não deveria ter feito tais perguntas. Ele percebeu que eu deixei o doutor meio sem palavras. Depois de um tempo o doutor me falou a verdade sobre esse assunto, dizendo, que antes de iniciar o tratamento, nem ele sabe quais são as chances do paciente. Pois a resposta à quimioterapia, que o paciente mostra, que lhe permite responder essas coisas. Antes de voltar a falar de coisas boas, quero dizer, que às vezes, ao escrever, uso algumas palavras, que não são usadas no cotidianos da maioria das pessoas, e peço desculpa por isto, pois quero que todos entendam o que conto aqui, por exemplo, usei a médico, exatamente como falei ao perguntar.
Fig. 3: Fotos Praias - Leblon e Copacabana - extraído da Internet - sem autores.
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A palavra diagnóstico e prognóstico, ambas têm origem no grego, e o grego dá origem a muitas palavras na nossa língua, ou seja a língua portuguesa, originou do grego e do latim. Que eram as duas línguas faladas na Europa no passado. E na medicina, prevalece, palavras de origem no grego, as de origem no latim quase não aparecem, nos laudos e exames médicos. Logo o diagnóstico vem de “gnosis” no grego, que significa conhecimento. Em português claro, é o exame ou parecer médico, que torna conhecida a sua doença. Assim descreve o que o paciente tem de fato. Já o prognóstico, é o parecer médico que torna conhecido o tempo de vida do paciente, segundo seu médico. E com base no quadro do paciente e nos conhecimentos e experiência do médico.
Fig. 4: Fotos Praias - Botafogo e Ipanema - extraído da internet - sem autores.
É meus caros, …podemos dizer é o prazo de validade do doente. Afinal, somos produtos perecíveis. Voltando a corrida, a Meia Maratona do Rio de Janeiro, é sem dúvida, uma das mais lindas corridas de rua do Brasil. Veja, passa pelas praias mais conhecidas no Brasil e no mundo, que são: Praia do Leblon, Copacabana, Ipanema e Botafogo. E em dois túneis no centro do Rio. Os corredores, dentro do túnel, têm o hábito de gritar, somente, quem corre e passa por túneis, no trajeto, sabe a loucura e a sensação de prazer e liberdade, que isto gera. O som ecoa de forma refletida pelas paredes do túnel, fazendo aquele eco comprido e ondulado.
Fig. 5: Foto com Cristiano, o guia Cassimiro e Lucas, correndo na 25ª Meia Maratona do Rio 2023. Foto cedida por Cristino Scheidegger.
E os primeiros dez quilômetros, foram debaixo de chuva, isto potencializa a graça da coisa. Eu adoro correr na chuva. A chuva na hora da prova, foi mais um presente de Deus. Pois, no Rio de Janeiro, quando o sol esquenta, a coisa ferve, e correr lá fica dureza. E quando cruzei a linha de chegada, um grande amigo meu, estava lá, com sua esposa, é o José Beiriz e sua esposa a Marcela. Eles moram em Araruama RJ, que fica a mais de cem quilômetros do Centro do Rio e foram lá somente para me prestigiar. Após a corrida, fomos para o hotel, o Beiriz nos levou em seu carro. Almoçamos juntos, durante o almoço, começou a cair aquele temporal, com chuva, raios e trovões. Como não era viável pegar a estrada naquele momento, aproveitamos para visitar o Palácio do Catete, atualmente o local é um museu, ou seja, o Museu da República.
O prédio foi construído, no século XIX, é uma verdadeira obra de arte, sua arquitetura, representa muito bem o que existia de melhor, na época. Tanto na arte arquitetônica, como na tecnologia e sofisticação. As paredes, pisos, tetos, portas e janelas, são repletas de artes, em pinturas e relevos, aquelas escadas de ferro fundidos, todas detalhadas, são coisas que até um cego como eu, pode apreciar a beleza do local. Este prédio foi construído no período de 1858 a 1867, mas o curioso, que não foi construído pelo governo, não era um prédio público. O prédio foi construído pelo Barão de Nova Friburgo, quem conhece a história do Brasil, sabe que nesta época, quem mandava no Brasil eram os Grandes Barões, alguns destes, se destacavam mais do que o próprio Imperador, no período do Brasil Império.
Fig. 6: Foto - Barão de Mauá - foto extraído da internet (sem autor).
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Como foi o caso do Barão de Mauá. E com o Barão de Nova Friburgo a coisa não foi muito diferente, pois estes dois construíram grandes ferrovias, no estado do Rio de Janeiro, que era a capital do Brasil, naquela época. Para quem não sabe, o que era ser um barão, aqui vai a explicação. Era um grande proprietário de terras, muito rico, e que se destacava no Brasil, pelos seus feitos. E ganhava diretamente do Imperador do Brasil, via decreto imperial este título de barão, e o baronato era um título, reservados a poucos, o cara tinha que ter um papel muito importante, na economia do país, para receber tal título. Mas o Barão de Nova Friburgo, morreu logo após terminar a construção do prédio, Palácio do Catete. E os filhos venderam este prédio, que passou por alguns donos e na sequência, foi vendido ao Banco da República, e transformado na sede da Presidência da República em 1895.
Fig. 7: Foto - Barão de Nova Friburgo - foto extraído da internet (sem autor).
O passeio, no interior do prédio, foi muito divertido, eu estava na companhia do Cassimiro e Lucas. Dois sujeitos, que adoram, quando eu dou um vacilo, para fazer aquela zoeira. E para completar, estava na companhia do amigo Beiriz e sua esposa, e o Beiriz, como eu adora História, tanto a do Brasil como também a História geral. E também é muito bem humorado e adora zoar com as pessoas. E logo de entrada, eu quase colidi com a estátua do Presidente Artur Bernardes. Imagina, eu beijando aquela coisa, o cabra é feio, sem falar que foi um dos presidentes mais criticados da nossa história. Ele governou o Brasil entre 1922 e 1926.
Fig. 8: Foto - Presidente Artur Bernardes. Foto extraído da internet (sem autor).
Então perguntei a um funcionário do museu, onde ficava o quarto, ou seja a suíte presidencial, já que o local, não era apenas a sede do governo, ali também, era a residência dos presidentes, por cerca de meio século. E eu queria visitar o quarto onde o Presidente Getúlio Vargas, suicidou-se , e fui conduzido ao respectivo quarto, que fica no terceiro piso, estando no local, diante da cama onde o suicídio ocorreu, bati na dita cama com a bengala, e o segurança do local, me advertiu, que é proibido tocar nas mobilhas e objetos do local. Foi uma sensação muito boa, estar no local exato, onde um grande e importante capítulo da História do Brasil, foi escrito. Mesmo se tratando de um episódio tão triste.
Fig. 9: Foto - Presidente Getúlio Vargas. Foto extraído da internet (sem autor).
Estamos em agosto, e foi no dia 24 de agosto de 1954, dia de São Bartolomeu, que o Presidente Vargas, saiu da vida, para entrar na história, como o próprio escreveu na sua carta testamento. E esse capítulo da nossa história, eu já conhecia bem, e por esta razão, quis visitar o local. Mas o meu amigo é um belo do sacana, vocês acreditam, que depois de tantas recomendações, para não tocar nas coisas do local, ele fez uma piada, na beira do segurança do local, dizendo que eu havia esbarrado, nos objetos de porcelana, que estão lá expostos, em uma sala, que a gente havia acabado de sair, o segurança quase nos expulsou para fora. Pensa…, é proibido tocar até nas paredes, e ele vai falar, logo que eu esbarrei nas porcelanas.
Mas em resumo, foi maravilhoso, visitar o Museu da República , na companhia do Beiriz, pois ele gosta de História, tanto como eu, e fomos trocando uma ideia, sobre o assunto, e foi uma troca de conhecimento muito legal. Ele é cientista da computação, trabalha para uma grande rede de provedores de internet, com sede no Rio Grande do Sul. Mora em Araruama RJ, onde eu estive passeando em abril deste ano. Beiriz é um grande amigo, já fui várias vezes visitá-lo no Rio de Janeiro, desde que ele morava em Teresópolis, que fica na região serrana do Rio. Ele e a esposa dele, são pessoas muito especiais para mim. Depois disto tudo, retornamos, para casa, no ônibus, da águia Branca, e a viagem foi supertranquila.
Texto de Cristiano Scheidegger,
Iconha, 21 de agosto de 2023.
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